Ao receber um soneto escrito por um jovem aspirante a escritor, o poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) acertou com ele que indicaria com pequenas cruzes os erros encontrados naquele conjunto pueril de versos lusitanos. Só que, diante da infinidade de erros encontrados no texto, o já consagrado e popular trovador decidiu devolver o poema sem uma única correção, nenhumazinha sequer, para a incredulidade do mancebo. E Bocage justificou: seriam tantas, mas tantas cruzes que a emenda sairia pior do que o soneto.
A expressão tornou-se conhecida. Séculos mais tarde, ela ajuda a explicar a reforma administrativa protocolada no Poder Legislativo de São José. O projeto, que nasce depois de forte pressão do Ministério Público e TCE (Tribunal de Contas do Estado), dispõe sobre a estrutura administrativa da Câmara. A proposta, que foi protocolada nesta quarta-feira, prevê corte de 65 cargos de confiança, no entanto cria 49 de livre nomeação, além de mais 15 efetivos e 15 funções de confiança.
Segundo o projeto, essa reforma economizaria R$ 4.546.496,61 esse ano e R$ 9.578.691,81 no ano que vem, com o corte desses 65 cargos. Porém, a criação dos novos cargos e funções de confiança pode gerar um gasto extra de R$ 5.303.418,35 esse ano e de R$ 11.130.191,92 em 2019.
Traduzindo: ao invés de resultar em uma economia, a reforma representaria gasto extra de R$ 756.921,74 esse ano e de R$ 1.551.500,11 em 2019.
E não para por aí.
Em um projeto paralelo, também protocolado nesta última quarta-feira, a Câmara quer que os servidores do Poder Legislativo de São José também tenham o gatilho salarial, como ocorre atualmente com funcionários da prefeitura. O gatilho é disparado toda vez que a inflação acumulada atinge o índice de 5%, é pago a servidores públicos, aposentados e pensionistas.
Acabou? Não, ainda tem mais.
Aproveitando-se do feriado de Páscoa, quando a atenção à Casa é reduzida, parlamentares estão se preparando para apresentar, de última hora (no já tradicional estilo vapt-vupt, tramado sempre ali na surdina), uma emenda à reforma administrativa, tendo um único objetivo: aumentar os salário de seus assessores.
Bocage, em sua obra, certa vez escreveu sobre a ambição.
‘Aquele canta e ri; não se embaraça. Com essas coisas vãs que o mundo adora. Este (oh, cega ambição!) mil vezes chora. Porque não acha bem que o satisfaça’.
É certo dizer que o velho poeta, ao analisar a reforma da Câmara, cravaria: essa emenda saiu pior, muito pior, do que o soneto.